quinta-feira, 1 de novembro de 2007

AGRESSÃO CANINA

Agressão Canina

Introdução

Quando lemos no jornal histórias de crianças ou adultos que foram atacados por cães nos perguntamos porque isto está acontecendo. Histórias como essa sempre aconteceram mas ultimamente a freqüência, as circunstancias e a gravidade destas agressões ultrapassaram o limite do aceitável. Para complicar ainda mais essa situação, há o risco da transmissão da RAIVA, uma vez que no Brasil esta doença ainda não foi erradicada.

Por outro lado mesmo que o cão agressor seja vacinado contra raiva, a lesão provocada por uma mordida dilacerante e contaminada é de tratamento complicado e deixa uma cicatriz acentuada.

De quem é a responsabilidade?
Como evitar essas ocorrências?

O propósito deste artigo é revisar a definição de agressividade canina, apresentar os contextos em que ela se apresenta e propor uma maneira de prevenir ocorrências desastrosas com prejuízo a saúde humana e animal.

Contexto etológico

Quando pensamos na agressividade canina tendemos vê-la como uma ameaça eminente. Imaginamos um animal correndo em nossa direção, os dentes afiados prontos a fazerem um estrago extremamente dolorido que poderiam, até mesmo culminar com nossa morte. Nos sentimos ameaçados por um animal considerado o melhor amigo do homem e que deveria manifestar agressividade somente dentro de um contexto adequado e principalmente sob controle do proprietário.

Para pensar os contextos nos quais este comportamento normalmente ocorre devemos tentar imaginá-lo numa situação natural original, como quando o cão ainda era um animal selvagem vivendo da caça, formando matilhas, se reproduzindo e criando seus filhotes. Tal como o LOBO, o mais provável ancestral do cão doméstico. Para o lobo a agressividade é um componente chave de uma série de contextos.

Quais são estes contextos?

Lúdico: o filhote apresenta muitas vezes, durante seu crescimento, comportamentos que para o proprietário, parecem ser agressivos. Na verdade tais comportamentos, na maioria das vezes está associado ao brincar de brigar que prepara o filhote para encontros agonísticos que estabelecem sua dominância ou submissão, configurando sua vida futura social.

Social: Aqui a agressividade determina a hierarquia das relações através da dominância e da subordinação entre pares de indivíduos. Quando olhamos para a matilha como um todo observaremos que o resultado é uma hierarquia não linear de dominância.

Uma vez que, para o cão, o homem e sua família passaram a ser membros da matilha, será com eles que estabelecerá a hierarquia por relações de dominância e subordinação. Nesse sentido o melhor é que o proprietário seja o dominante, uma vez que é ele quem ditará as regras. Ser dominante significa ter atitudes. Para algumas pessoas talvez este tipo de afirmação possa não soar bem, mas não podemos esperar do cão uma atitude igualitária. Não podemos esquecer do processo civilizatório por que passamos e o quanto reprimimos nossas manifestações instintivas. A chave para a compreensão deste tipo de agressividade está na análise, sob a perspectiva canina, das relações que se estabeleceram entre os membros de uma família. Nesse sentido o cão estabelecerá seu lugar de acordo com a atitude de cada um e se utilizará da comunicação através da linguagem corporal típica.

Os cães com tendência dominante apresentam desde filhote sinais indicativos. Podemos prevenir as conseqüências dessa natureza através da aplicação de testes e posterior direcionamento da educação do filhote.

A manifestação de agressividade por dominância de cães em relação a pessoas pode ser vista no quadro posturas e sinais de dominância

Territorial: Este contexto diz respeito ao estabelecimento dos espaços de ocupação do cão como indivíduo ou na matilha. Este espaço varia de acordo com as circunstancias. Por exemplo: mesmo quando um cão está passeando na rua uma área de aproximadamente um metro, um metro e meio ao seu redor ou ao redor dele e de seu dono podem ser considerados espaço territorial.

Alimentar ou predatória: O cão é um animal onívoro que encontra seu alimento caçando, comendo carcaça de animais mortos ou buscando seu alimento onde quer que ele esteja, até mesmo no lixo.

Se tivesse que caçar seu alimento a agressividade seria um elemento fundamental para seu sucesso. A manifestação deste tipo de agressividade é estimulada e dirigida a "caça": animais sejam outros cães ou próprio homem, ou até mesmo a objetos inanimados como pneus de carros ou bicicletas em movimento, desde que o cão os reconheça como presa potencial (geralmente este estímulo ocorre em relação a tudo que estiver em movimento de fuga). Nesse sentido o ataque (perseguição ou busca) é obviamente desferido sem qualquer aviso a tudo que provocar (eliciar) o comportamento. O comportamento predatório (ataque, perseguição e mordedura) somente irá terminar quando a presa não mais apresentar movimentação (fuga) ou quando o estímulo não for forte o suficiente para desencadear o comportamento em toda a sua plenitude. Em outras circunstancias o comportamento não é completo e após uma curta perseguição o cão para e late em direção a presa. Isto ocorre como uma atividade deslocada quando outros estímulos entram em ação interrompendo a manifestação comportamental. Por exemplo uma pessoa que interrompe a fuga e desfere ou ameaça desferir um ataque, ou uma situação em que o perseguidor se vê subitamente sob perigo.

Cães abandonados, que habitam próximos a áreas de mata, formam matilhas e caçam animais silvestres. Potencialmente todo o cão é um caçador. Por isso dependendo do contexto este comportamento pode ocorrer quando, por exemplo uma criança assustada, ao ver um cão pode sair correndo; o cão, nesse momento, pode interpretar o que está vendo como uma possível presa e sair correndo e morder a criança. Esse tipo de comportamento varia com a raça, criação, e temperamento individual e deve ser considerado quando do estabelecimento do diagnóstico diferencial para agressividade.

Defesa pessoal: Um cão deve garantir seu espaço pessoal, alimentos armazenados e objetos pessoais tais como cama, comedouro, brinquedos, ossinhos. Além disso deve se proteger de possíveis ameaças a sua integridade. A agressão na dependência de um estimulo doloroso é esperada. Seja por medo, dor ou posse esses animais poderão apresentar em maior ou menor grau algum tipo de agressividade que muitas vezes pode se manifestar precocemente quando ainda filhote. Tal comportamento ainda que normal no contexto da matilha e segundo a posição hierárquica do indivíduo, pode ser prevenido através de um condicionamento adequado.

Fêmeas: De um modo geral a fêmea tende a ser menos agressiva que o macho. Entre fêmeas são freqüentes as agressões. A agressão maternal é um comportamento normal em fêmeas lactantes.

A seleção artificial tem algum papel no determinação da agressividade?

Segundo FOX, como conseqüência da domesticação (seleção genética, alteração do ambiente social e ecológico) os animais podem ao longo de sua história filogenética e/ou ontogenética:

1) Sofrer atrofia ou hipertrofia, aumento ou diminuição no limiar de resposta a estímulos de padrões comportamentais

2) Omitir, reordenar ou exagerar um ou mais componentes de uma seqüência comportamental

3) Desenvolver ritualização ou emancipação de um padrão ou componente

4) Desenvolver novos padrões comportamentais resultantes do processo de desenvolvimento

É preciso lembra-se que tais modificações são resultado de uma seleção artificial e portanto acentuaram ou atenuaram propositadamente alguns padrões comportamentais.

Canídeos silvestres ao apresentarem um comportamento agressivo dentro do contexto social, procuram evitar encontros agonísticos reais. Para tanto desenvolveram uma série de sinais posturais e faciais que tem a finalidade de comunicar o estado interno motivacional e intenções. Desse modo asseguram posições de dominância ou submissão. Esses sinais representam uma evolução em direção ao estabelecimento da socialização e garantem a unidade da matilha. Não é absolutamente vantagem lutar e se ferir, muito menos morrer. As brigas, em canídeos silvestres, são rápidas, quando não ritualizadas, e terminam rapidamente quando um dos animais sinaliza submissão.

As raças caninas como são conhecidas por nos só vieram a se estabelecer de maneira organizada há aproximadamente 200 anos. Mas antes disso o homem já selecionava cães para funções específicas.

Cães de luta foram selecionados para atacarem rápida e inesperadamente sem aviso, terem um baixo limiar a estímulos que desencadeassem o ataque, alto limiar para dor (menor sensibilidade a dor), perderem o reconhecimento de sinais de submissão que interromperiam o ataque e finalmente foram muitas vezes selecionados para lutar até a morte. Assim é muito comum que pessoas atacadas por cães digam não ter visto nenhum aviso por parte do cão.

Cães de guarda foram selecionados para manifestarem agressividade por dominância, uma vez que na matilha é o dominante que tem entre outras funções o papel de guarda do território e defesa dos membros da matilha. Para que o cão cumpra esta função deverá impedir que estranhos a família (matilha) se aproximem ou invadam seu território.

Cães de caça devem, dependendo da raça apresentar o comportamento de caça parcial, por exemplo apontar buscar ou acuar a caça.

Cães de pastoreio a semelhança dos cães de caça devem correr, cercar e direcionar o rebanho de acordo com as ordens do proprietário, mas não devem atacar e morder a presa.

Quadro1

Posturas ou sinais de agressividade ou ataque eminente
Pilo-ereção
Mostrar os dentes.
Encarar de frente
Abanar apenas a ponta da cauda.
Orelhas eretas ou completamente achatadas.
Orelhas eretas e para frente, cauda elevada, reta, contato visual prolongado

Quadro 2

Posturas ou sinais de dominância
Perseguir os filhotes na ninhada.
Ficar de pé sobre o companheiro de ninhada.
Andar em círculos ao redor do companheiro de ninhada.
Empurrar com ombro ou coxa
Apoiar as patas de frente no dorso do companheiro
Ataque: pescoço e face
Urinar sobre um outro cão ou pessoa.
Rosnar, beliscar, morder
Montar
Ficar acima da pessoa
Pedir carinho colocando a pata sobre a pessoa ou qualquer outro comportamento que desencadeie a resposta do proprietário.
Bloquear acesso: passagem de quarto, corredores, etc.
Guardar comida, brinquedos e não permitir que o dono pegue.
Impedir acesso a local de brincar ou ficar

Quadro 3

Estímulos que podem provocar agressão
Mexer com ele: acordar, passar por perto, mandar sair do lugar.
Aproximar-se da comida, pessoa favorita, sua área de descanso mesmo que não se encontra nela.
Estimulado por carinhos, carícias.
Colocar ou tirar a guia.
Ser encarado de frente.
Ser reprimido.
Ser escovado, cortar as unhas, banho e tosa.
Encontro em passagens estreitas.
Repressão física ou verbal.
Ficar de pé ao lado ou sobre o animal.

Quadro 4

Atitudes que indicam dominância para um cão
Sinais de Alarme
Seu animal jamais olhou "com cara feia "para você?
Ele jamais teve um expressão dura no olhar?
Você deixa de fazer determinadas coisas, porque eliciam rosnados ou mostrar os dentes? Por exemplo: mexer na comida, tirar do sofá, passar por cima dele, tirar do lugar onde ele está dormindo ou deitado.
Você arruma desculpas para o comportamento agressivo dele? Tipo: isso vai passar com a idade?
Você acha que ele é seguro, exceto com determinadas pessoas e circunstâncias. (quando ele rosna para o veterinário você acha que isto é problema do veterinário. Você também ainda acha que é perfeitamente normal ele não gostar do profissional.?
Ele já mordeu, pelo menos uma vez, por que foi um acidente, porque ele estava assustado, porque estava nervoso.
Você sempre diz: em geral ele é tão bonzinho, quando ele agride ou você

A maioria dos casos de agressão não é pura e podem apresentar vários componentes.

Conduta terapêutica

  • Conscientizar o proprietário.
  • Identificar situações de estímulo.
  • Modificar atitude.
  • Dessensibilização e/ou contra condicionamento.
  • Inverter dominância.
  • Treino para obediência.
  • Castração (cedo).
  • Farmacológico.
  • Manter contato com proprietário.
  • Contar com o fracasso.
  • Vigilância continuada.

  • Dr. Mauro Lantzman - Médico Veterinário - Homeopata e Etólogo - São Paulo - SP

    Este artigo foi publicado originalmente no site do Dr. Mauro Lantzman

    Bibliografia

    FOX M.W. Behaviour of Wolves, Dogs and related canids. New York: Harper & Row Publishers, 1971
    O'FARRELL, V. Manual of canine behaviour. 2 ed. – Cheltenham: BSAVA, 1992.132 p.
    SERPEL, J.: The domestic dog: its evolution, behaviour and interaction with people. 2 ed. – Cambridge:
    Cambridge University Press, 1997. 240 p.

0 comentários: